1.5.05

Metáforas do século vinte e um


O maior alquimista do século XX. Aquele que interpretou o conhecimento intuitivo através de conceitos modernos e forneceu a chave para compreender os mitos e a espiritualidade ao longo da história. Carl Gustav Jung.

Psiquiatra suíço, Jung partiu de sua experiência prática no hospital de Zurique, no começo do século vinte, para mergulhar na alma da humanidade, estudando vários sistemas simbólicos como o I-ching chinês, a alquimia ocidental e alguns conceitos hindus. Entre suas várias contribuições, nos interessa o processo de formação da personalidade:

Imagine um bebê que engatinha. Só em uma sala, ele enxerga uma vela. A luz e a cor o encantam e ele se aproxima, curioso e feliz. Ele toca a chama, se queima e experimenta o medo do desconhecido e a sensação angustiante da dor.

Toda essa experiência ficará armazenada em sua mente como um complexo, um conjunto de sensações e emoções. Na medida em que cresce, muitos outros resultados serão assim armazenados. Esses resultados de alguma maneira se coordenarão, dando origem à sua consciência, seu ego.

O ego é a principal estrutura da mente, mas não a única. Os resultados que compõem o ego estabelecem sua própria lógica. E algumas experiências têm resultados que não são aceitos ou compreendidos pelo ego, não “combinam” com essa lógica. Esses resultados jamais se perdem, são armazenados no inconsciente e criam estruturas independentes. Uma dessas estruturas é um complemento de gênero, ou seja, no caso de um homem, os resultados considerados “femininos” formam a Anima, e no caso da mulher, seus resultados “masculinos’ compõem o Animus. Os resultados não aceitos por questões morais formam a Sombra, que armazena grande parte dos impulsos vindos do instinto e reprimidos publicamente. O ego por sua vez cria um personagem para lidar com seus relacionamentos sociais, a Persona, uma máscara onde o ego só mostra o que acha conveniente em sua vida social. E todo esse conjunto é construído sobre idéias comuns a toda a espécie humana, existentes antes do indivíduo, o chamado inconsciente coletivo. Jung identifica e define o inconsciente coletivo, mas não se atreve a lhe dar uma origem.

Essas estruturas, conscientes ou inconscientes, estão todas ativas, influenciando o indivíduo em seu dia-a-dia. Segundo Jung, o desenvolvimento da personalidade consiste na compreensão do conteúdo inconsciente, e de sua incorporação ao ego. Todas essas estruturas então se desenvolvem no sentido de formar uma única e “completa” estrutura, o Self ou “si-mesmo”. A esse processo de compreensão, integração e unificação, Jung deu o nome de individuação.

Como qualquer sistema que explique algo tão complexo como o ser humano, a explicação junguiana não é absoluta. É uma representação, uma metáfora.

E onde essa metáfora se liga aos sistemas do passado?

Na teosofia de origem oriental, distinguem-se dois níveis de consciência, o “Eu inferior” usado por todos nós e o “Eu superior”, um nível superior de consciência a ser alcançado através de meditação e esforço. É clara a semelhança com o ego e o Self, respectivamente.

Na magia cerimonial, de orientação cristã, como a de Eliphas Levi, o processo de crescimento espiritual passa pelo enfrentamento ritual e simbólico de dois personagens, os daimons (guardiões) pessoais, primeiro um bom e em seguida um mau, que se identificam com a semente do Self em formação e com a Sombra. Esse anjo bom, também é chamado na literatura ocultista de “Sagrado Anjo Guardião”. A principal diferença entre os níveis de aprendiz, iniciado e mestre consiste exatamente na relação com o anjo guardião ou o Self. Enquanto o aprendiz trabalha apenas com seu ego, o iniciado tem acesso direto ao SAG e o mestre se funde a ele, atuando todo o tempo nos níveis superiores da consciência, portanto.

Também na alquimia, a pedra filosofal é um símbolo para o espírito do alquimista. O processo de criação da pedra levava décadas e tinha três estágios intermediários com capacidades distintas: as pedras negra, branca e vermelha, chamadas nigredo, albedo e rubedo, nitidamente associados aos níveis já descritos de aprendiz, iniciado e mestre.

Outra metáfora interessante seria uma ao estilo "Matrix". O ego ou Eu inferior é como um pequeno computador pessoal ligado a um computador de grande porte, um grande mainframe pessoal, que seria o Eu superior. O aprendiz opera apenas o computador pessoal, o iniciado acessa através de rituais seu mainframe e o mestre trabalha sempre através de seu mainframe pessoal. E segundo a metáfora junguiana, cada mainframe pessoal estaria conectado a todos os outros mainframes pessoais, formando a camada do inconsciente coletivo.

Finalizando, todas as manifestações impossíveis e miraculosas, os fenômenos parapsicológicos e outros “efeitos especiais” estariam relacionados à atividade do Self, que ligado ao todo, passa a atuar em um nível incompreensível para a mente – ego – cotidiana.

2 Comments:

At 10:51 AM, Blogger Leivison Dias said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 10:53 AM, Blogger Leivison Dias said...

Estou fascinado com sua capacidade de sintetizar conteúdos complexos! Estou terminando a graduação em psicologia, e tudo que vi na faculdade sobre Jung foi que ele era um pervertido, místico que criou o conceito de inconsciente coletivo e que existe um teste baseado em sua teoria de personalidade. Apesar disto, quando li Jung me senti como o homem do mito da caverna de Platão que saiu da caverna, viu o mundo e suas possibilidades infinitas que existem para além das sombras. A maior parte das teorias de personalidade são quando analisadas de perto uma sombra gigante e eloquente de seus autores. Em certos aspectos Jung não foge a regra mas, diferente das demais alimentadas apenas pelo ego de seus autores, Jung alimenta sua teoria com a sabedoria ancestral preservada nos mitos. E o principal é que não nos fornece ideias acabadas, ele nos conduz a a uma jornada pessoal.

 

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